RETRATOS DO TEMPO PRESENTE
Em seu “Sistema das Artes”, Hegel revela entender que “a principal missão do pintor é pintar”. Isso soaria demasiadamente óbvio, não fosse o artista alguém com imensa e variada gama de demandas, um colecionador de ansiedades que se comunica com o exterior por meio dos símbolos em que transforma as afecções promovidas pelo seu tempo. Embora muita coisa tenha mudado de lá para cá, o pintor atual continua fiel à sua missão e parece mais consciente de sua importância social. Esse é o caso de Vando Figueiredo, que faz a sua trajetória transformando os fantasmas desta, que é sua época, em símbolos que esteticamente organizados constituem os discursos interpretativos dos dias atuais a partir mesmo da forma contemporânea de que nos fala a sua técnica. A pós-modernidade de que trata Gianni Vattimo, é a era dos espetáculos, dos excessos, da fragmentação da história. Cada trabalho realizado por Vando, reserva fidelidade a estes conceitos. As linhas descontínuas e as formas imprecisas, tangidas a guisa de gestos próprios que resultam em pinceladas vigorosas e em deposição excessiva de matéria, é bem o retrato pós-moderno da sociedade que acumula conhecimento e abandona os valores sobre os quais edificou suas gerações. Assim o autor também ignora valores acadêmicos e se entrega à construção visceral das imagens derivadas de sua angústia e o faz com tal graça e talento que o resultado é um magnífico espelho que sintetiza e reflete simultaneamente, muitas das inquietantes situações do momento. Com freqüência faz reportagem à pintura rupestre e seus símbolos, construindo uma ponte significativa entre o passado e o presente, como a dizer que em face do comportamento atual, ainda não saímos do paleolítico. Bisões elegantes, homens e mulheres daqui e de alhures têm suas sombras projetadas em azul, ocre e outros matizes, dão fiéis testemunhos inviolados de suas presenças. Quase sempre, as sombras, transformadas em atores principais da história contada quadro a quadro, pronunciam e ao mesmo tempo revelam arcanos, com a sutileza de quem sabe contar segredos.
A transparência, caráter inarredável de suas figuras, diz de sua delicadeza, mas também de sua dilaceração ao longo do tempo. Cabeças aparecem distintas do restante de seus corpos, pequenos seres ignotos empreendem danças remotas e mulheres encenam o erotismo despretensioso, vago de gestos, mas curiosamente desafiador, em companhia de animais que parecem substituir a presença masculina. Voltando a Hegel, se pintar é missão do pintor, do contemporâneo se deve esperar a pintura do seu tempo. Vando Figueiredo segue, pois, cumprindo, imbatível, o seu destino de artista.
Carlos Macedo